domingo, 8 de fevereiro de 2015

A arte da amizade


Por Elis Franco

A quem chamar de amigo em uma época em que as relações são, em muitos casos, sustentadas mais por contatos virtuais do que físicos? A quem chamar de amigo quando amigos de longa data, conhecidos recentes e pessoas nunca vistas estão inseridos em um mesmo contexto, obtendo informações sobre nossas vidas em um mesmo grau de qualidade e quantidade?
Assim como outras instâncias dos relacionamentos interpessoais, a amizade, ou pelo menos aquilo que é classificado como amizade, também sofreu modificações. Talvez seja necessário pensar como o personagem de Antoine de Saint-Exupéry, ao afirmar que o tempo dedicado a algo ou a alguém expressa o quanto este algo ou alguém é importante para nós.
É possível, ainda, assim como propôs o filósofo Aristóteles, classificar a amizade em três tipos distintos: amizade recíproca, amizade baseada na utilidade e a amizade baseada no prazer. Há aqueles que se tornaram amigos não pelo que outro possui ou será capaz de fazer por ele, mas apenas pelo que o outro é; pelo caráter e atitude, devotando-se mutuamente respeito e admiração.
Há pessoas, porém, que se fazem amigos pensando na utilidade que o outro terá em sua vida; nos benefícios que poderão receber. Tais pessoas, logo que cessarem os benefícios, irão buscar novas amizades, visto que seu objetivo deixou de ser alcançado. E o que dizer daqueles que se tornam nossos amigos a fim de desfrutar dos momentos agradáveis que somos capazes de lhes proporcionar? Do prazer que sentem ao estar ao nosso lado?
Certamente, em nosso grupo de amizade devem existir pessoas iguais a essas. Certamente, talvez estejamos nivelando os nossos amigos a partir do que eles apenas “são”, da “utilidade” que nos oferecem ou pelo “prazer” da companhia agradável. A verdade é que chega um momento em que é preciso organizar a lista e colocar cada coisa em seu lugar. Amigos verdadeiros não precisam ter utilidade... Amigos verdadeiros são aqueles com quem podemos contar, mesmo que eles não nos ofereçam nada de material. Amigos são seres diante de quem retiramos o véu que nos cobre a face esculpida por medos, traumas, dúvidas e alegrias.  Se não for possível retirar o véu, provavelmente está na hora de reorganizar a lista.

In: Memórias afetivas. Salvador: Cogito, 2018. p. 31-32