Por Elis Franco
A quem chamar de amigo em
uma época em que as relações são, em muitos casos, sustentadas mais por
contatos virtuais do que físicos? A quem chamar de amigo quando amigos de longa data, conhecidos recentes e pessoas nunca vistas estão inseridos em um mesmo
contexto, obtendo informações sobre nossas vidas em um mesmo grau de qualidade
e quantidade?
Assim como outras instâncias
dos relacionamentos interpessoais, a amizade, ou pelo menos aquilo que é
classificado como amizade, também sofreu modificações. Talvez seja necessário
pensar como o personagem de Antoine de Saint-Exupéry, ao afirmar que o tempo dedicado
a algo ou a alguém expressa o quanto este algo ou alguém é importante para nós.
É possível, ainda, assim
como propôs o filósofo Aristóteles, classificar a amizade em três tipos
distintos: amizade recíproca, amizade baseada na utilidade e a amizade baseada
no prazer. Há aqueles que se tornaram amigos não pelo que outro possui ou será
capaz de fazer por ele, mas apenas pelo que o outro é; pelo caráter e atitude,
devotando-se mutuamente respeito e admiração.
Há pessoas, porém, que se
fazem amigos pensando na utilidade que o outro terá em sua vida; nos benefícios
que poderão receber. Tais pessoas, logo que cessarem os benefícios, irão buscar
novas amizades, visto que seu objetivo deixou de ser alcançado. E o que dizer
daqueles que se tornam nossos amigos a fim de desfrutar dos momentos agradáveis
que somos capazes de lhes proporcionar? Do prazer que sentem ao estar ao nosso
lado?
Certamente, em nosso grupo
de amizade devem existir pessoas iguais a essas. Certamente, talvez estejamos
nivelando os nossos amigos a partir do que eles apenas “são”, da “utilidade”
que nos oferecem ou pelo “prazer” da companhia agradável. A verdade é que chega
um momento em que é preciso organizar a lista e colocar cada coisa em seu lugar.
Amigos verdadeiros não precisam ter utilidade... Amigos verdadeiros são aqueles
com quem podemos contar, mesmo que eles não nos ofereçam nada de material. Amigos
são seres diante de quem retiramos o véu que nos cobre a face esculpida por
medos, traumas, dúvidas e alegrias. Se
não for possível retirar o véu, provavelmente está na hora de reorganizar a
lista.
In: Memórias afetivas. Salvador: Cogito, 2018. p. 31-32
In: Memórias afetivas. Salvador: Cogito, 2018. p. 31-32