Por Elis Franco
Existem
pessoas que estão sempre indo. Minha filha é uma delas. Geralmente, quando eu lhe peço para fazer algo, ouço de
lá o grito “estou indo! Porém, é certo que permanecerá no mesmo lugar, até que
eu me certifique se, de fato, a tarefa solicitada foi realizada. Eu até já me
acostumei com o seu jeito, com a forma como administra o tempo, como só faz
rapidamente aquilo que é de seu total interesse. Seria muito bom se pudéssemos
agir assim em todas as situações da vida, porém, nem sempre o nosso ritmo condiz
com as decisões urgentes que precisamos tomar.
Quantos não são, por exemplo, os
momentos da vida em que precisávamos escutar um primeiro chamado e partir sem
pestanejarmos? Aquele momento em que a saúde reclama e é necessário fazer uma
atividade física, contudo, estamos sempre
indo na próxima segunda-feira; aquele amigo ou parente que precisamos
visitar e estamos sempre indo no próximo
final de semana; o desejo de fazer um curso, de ampliarmos os conhecimentos, no
entanto, estamos sempre indo quando
sobrarem tempo e dinheiro.
Estar sempre indo me lembra as atendentes de telemarketing. Fico com a impressão de que algo dará errado,
demorará, a ligação cairá. Ouço a vozinha dizendo “estarei encaminhando sua solicitação para o setor responsável”. O
grande problema é que há questões na vida cuja ação não pode ser protelada,
pois corre-se o risco de não se poder mais conjugar o pretério perfeito fui e fiz. Há decisões que não podem ser encaminhadas a
nenhum setor responsável, não há como transferir a culpa. Estar sempre indo só faz sentido quando a ação
exige o presente contínuo, constância.
Conheço várias pessoas que passaram
a vida afirmando que iriam fazer algo, realizar uma tarefa, investir num desejo
antigo, mas, ao final, nunca conseguiram presentificar as vontades, faltou
empolgação, entusiasmo. Não estou falando daquelas vitimadas pela falta de
oportunidade, pelas intempéries que impossibilitaram o avanço, mas de todas as
que, tendo o anzol na mão, optaram por apenas olharem o outro pescar, morrendo de
fome quando se tinha o alimento tão perto. Pior: atribuíram ao outro a causa de
sua não realização.
É sempre bom criarmos metas,
estipularmos prazos, revermos os desejos. Entretanto, de que adianta desejo sem
busca, planejamento sem execução de estratégia? De que adianta sonhar um sonho
possível e deixá-lo escapar por comodismo? Na medida do possível, não esteja sempre indo, vá; prontifique-se ao chamado que a vida faz, seja sendo presença, realizando ações simples ou
extraordinárias. Eu, assim como Guimarães Rosa, “Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente a
fazer tantos atos, dar corpo ao suceder”.
Um dia eu sonhei em publicar um
livro, o que me pareceu muito distante. Então, ao invés de pensar na
dificuldade de publicá-lo, passei a tentar superar o desafio que é escrever.
Comecei pelos poemas, depois pelos contos e crônicas. Meu livro de crônicas
está sendo gestado. Meus poemas e contos estão publicados em antologias. Não
sei se são bons. Não importa. O que importa é que um dia eu disse que estava indo brincar com as palavras. E fui.
Nunca sonhei grandezas,
apenas fui fazendo, entusiasmando-me. Pelo menos, nesse caso, não direi um dia:
deveria ter ido, deveria ter feito. Eu fui e fiz. Os julgamentos de valor...
isso já é outra história. Luto todo dia para, no final da vida, não precisar
cantar como os Titãs: “Devia ter
amado mais/Ter chorado mais/Ter visto o sol nascer/Devia ter arriscado mais/E
até errado mais/Ter feito o que eu queria fazer”.
Feira de Santana, 09 de janeiro
de 2018
Aproveitando a fala da filha como
mote para escrever.