sábado, 24 de março de 2018

Os livros e as ilusões



Por Elis Franco

“Se o sofrimento é inevitável, se os problemas da vida também o são, a pergunta que devemos fazer não é “Como paro de sofrer?”, e sim “Pelo que estou sofrendo? Com que propósito?”
Mark Manson

Quem me conhece sabe o quanto eu gosto muito de ler. Ler para mim é parte essencial da minha rotina e, assim como quem pratica um esporte, gosta de academia ou de jogar conversa fora, eu sempre dou um jeitinho de fazer minhas leituras semanais, por isso, carrego um livro na bolsa, lendo umas páginas sempre que é possível. Estar acompanhada por um livro me livra de ficar irritada na fila do banco, no consultório médico ou em qualquer outro espaço onde esperar é a regra.
Leio de tudo, sou desbloqueada para a leitura. Tenho interesse pelas diversas áreas do saber, assim, passo o olho em livros de temáticas interessantes, desde que não sejam muito técnicos. Mas eu percebo que há, por parte de alguns, certo preconceito pela leitura de livros considerados de autoajuda. E eu estou entre estes alguns, contudo, de um modo um tanto quanto maleável, pois só não curto mesmo os autores que tentam nos engabelar, querendo nos fazer crer que somos as criaturas mais especiais do universo, bastando pensar positivo e agir que o mundo sorrirá para nós.
Recentemente, dentro da linha de autoajuda, encontrei dois livros que me chamaram atenção. O primeiro é O ego é seu maior inimigo, de Ryan Holiday, classificado como “administração pessoal”. O segundo é A sutil arte de ligar o foda-se, de Mark Manson, descrito como sendo “autorrealização. Daí fiquei pensando que há uma autoajuda mais água com açúcar, esta que diz que tudo é lindo e fomos feitos para sermos vitoriosos, assim como afirmam certos líderes religiosos, e outra que nos dá um choque de realidade, fazendo-nos crer que não somos esta Coca-Cola toda que imaginamos.
            Holiday, por exemplo, afirma que “Quase sem exceção, é isto que a vida faz: pega nossos planos e os rasga em mil pedacinhos. Em alguns casos, só uma vez. Em outros, várias”. Quem de nós já não viu nossos planos serem desintegrados de uma hora para outra e achou a maior injustiça do mundo? Pois é, viver não tem muita lógica e, por mais que tentemos alinhar nossos passos, há momentos em que o trem descarrilha e o jeito é juntar os cacos, quando isso é possível.
            Manson, por sua vez, postula “que estamos enfrentando uma epidemia de cegueira psicológica que faz as pessoas não enxergarem que é normal as coisas darem errado de vez em quando”. Na minha e na sua vida, certamente, inúmeras coisas deram certo, às vezes até sem termos planejado. Mas tantas outras nos fizeram crer que éramos fracassados, pois vivemos em uma cultura que valoriza o sucesso a todo custo, um padrão de vida de certas pessoas famosas que contam apenas seus acertos, suas conquistas, sem deixar evidente quantos desafios enfrentaram para chegarem onde chegaram.
            Vencendo meu preconceito, pude perceber o quanto determinadas obras, best-seller ou não, podem, de algum modo, melhorar a nossa capacidade de lidar consigo e com o outro. É preciso, porém, fazer uma triagem e não acreditar em tudo quanto é coach, esta raça que tem se espalhando pelo mundo, pagando um diploma nas “uniesquinas” e sem ter um mínimo de noção do que é a vida real.
            Falando em coach, certa vez, fui a um evento de formação de professores, e uma criatura dessas pediu para fecharmos os olhos e imaginarmos algo que gostaríamos de possuir. Apesar de não gostar dessas babaquices, fechei os meus, pois não queria ser do contra. Quando estava começando a pensar no meu desejo, o infeliz gritou de lá, dizendo da possibilidade de termos uma Ferrari na garagem. Fiquei enfurecida e não consegui pensar em mais nada.
Quando a palhaça terminou, ele pediu para que falássemos no que pensamos, já que, de acordo com a sua teoria, podemos concretizar tudo que criamos na mente. Desta vez, porém, fui do contra e afirmei não ter pensado em nada, pois o desejo que ele tinha para si atrapalhou a manifestação do meu desejo, que nada tinha a ver com carro de luxo, sobretudo nas maravilhosas estradas brasileiras.
Pensando nesta coisa de a vida ser boa, dos deuses, sejam eles quais forem, estarem ao lado de seus eleitos, creio que a nossa melhor autoajuda será tentar nos reencontrarmos em meio ao caos, assumindo certa dose de pessimismo que nos ponha em alerta para os desacertos possíveis. E assim como Manson, também acredito que “Nem sempre dá para controlar o que acontece conosco, mas sempre podemos definir nossa interpretação dos acontecimentos e nossa relação a eles”. Isto é autorrealização. E pouco tem a ver com aquisição de fama, bens materiais ou poder.

Feira de Santana, 24 de março de 2018
Refletindo sobre minhas perdas e ganhos.