sábado, 13 de janeiro de 2018

Estou indo...


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Por Elis Franco

Existem pessoas que estão sempre indo. Minha filha é uma delas. Geralmente,  quando eu lhe peço para fazer algo, ouço de lá o grito “estou indo! Porém, é certo que permanecerá no mesmo lugar, até que eu me certifique se, de fato, a tarefa solicitada foi realizada. Eu até já me acostumei com o seu jeito, com a forma como administra o tempo, como só faz rapidamente aquilo que é de seu total interesse. Seria muito bom se pudéssemos agir assim em todas as situações da vida, porém, nem sempre o nosso ritmo condiz com as decisões urgentes que precisamos tomar.
            Quantos não são, por exemplo, os momentos da vida em que precisávamos escutar um primeiro chamado e partir sem pestanejarmos? Aquele momento em que a saúde reclama e é necessário fazer uma atividade física, contudo, estamos sempre indo na próxima segunda-feira; aquele amigo ou parente que precisamos visitar e estamos sempre indo no próximo final de semana; o desejo de fazer um curso, de ampliarmos os conhecimentos, no entanto, estamos sempre indo quando sobrarem tempo e dinheiro. 
            Estar sempre indo me lembra as atendentes de telemarketing. Fico com a impressão de que algo dará errado, demorará, a ligação cairá. Ouço a vozinha dizendo “estarei encaminhando sua solicitação para o setor responsável”. O grande problema é que há questões na vida cuja ação não pode ser protelada, pois corre-se o risco de não se poder mais conjugar o pretério perfeito fui e fizHá decisões que não podem ser encaminhadas a nenhum setor responsável, não há como transferir a culpa. Estar sempre indo só faz sentido quando a ação exige o presente contínuo, constância.
            Conheço várias pessoas que passaram a vida afirmando que iriam fazer algo, realizar uma tarefa, investir num desejo antigo, mas, ao final, nunca conseguiram presentificar as vontades, faltou empolgação, entusiasmo. Não estou falando daquelas vitimadas pela falta de oportunidade, pelas intempéries que impossibilitaram o avanço, mas de todas as que, tendo o anzol na mão, optaram por apenas olharem o outro pescar, morrendo de fome quando se tinha o alimento tão perto. Pior: atribuíram ao outro a causa de sua não realização.
            É sempre bom criarmos metas, estipularmos prazos, revermos os desejos. Entretanto, de que adianta desejo sem busca, planejamento sem execução de estratégia? De que adianta sonhar um sonho possível e deixá-lo escapar por comodismo? Na medida do possível, não esteja sempre indo, vá; prontifique-se ao chamado que a vida faz, seja sendo presença, realizando ações simples ou extraordinárias. Eu, assim como Guimarães Rosa, “Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente a fazer tantos atos, dar corpo ao suceder”.
            Um dia eu sonhei em publicar um livro, o que me pareceu muito distante. Então, ao invés de pensar na dificuldade de publicá-lo, passei a tentar superar o desafio que é escrever. Comecei pelos poemas, depois pelos contos e crônicas. Meu livro de crônicas está sendo gestado. Meus poemas e contos estão publicados em antologias. Não sei se são bons. Não importa. O que importa é que um dia eu disse que estava indo brincar com as palavras. E fui.
Nunca sonhei grandezas, apenas fui fazendo, entusiasmando-me. Pelo menos, nesse caso, não direi um dia: deveria ter ido, deveria ter feito. Eu fui e fiz. Os julgamentos de valor... isso já é outra história. Luto todo dia para, no final da vida, não precisar cantar como os Titãs: “Devia ter amado mais/Ter chorado mais/Ter visto o sol nascer/Devia ter arriscado mais/E até errado mais/Ter feito o que eu queria fazer”.

Feira de Santana, 09 de janeiro de 2018

Aproveitando a fala da filha como mote para escrever.

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