sexta-feira, 13 de novembro de 2020

BNCC e processos avaliativos



 Por Elis Franco 
(Mestra em Literatura e Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa)

Ler e compreender o que as dez competências da BNCC propõem não é tão difícil assim, creio. Imaginar situações de aprendizagem inovadoras, para além do excesso de aulas expositivas, idem; e isso já é realizado por diversos educadores. No entanto, talvez o maior desafio da escola diante da nova Base e do que ela espera como resultado é propor situações avaliativas condizentes com o desenvolvimento de competências e não como mecanismos quantitativos que, normalmente, dão-nos uma falsa ideia de que houve aprendizado.

Em geral, nosso modelo interno de avaliação está centrado na realização de provas objetivas e discursivas, haja vista que o modelo externo dos vestibulares e ENEM segue tal padrão. Desse modo, é notório o quanto outras formas de avaliar são menos valorizadas, sobretudo porque há a ideia de que a escola precisa preparar os estudantes para terem bons resultados nas avaliações externas, o que não está errado. Porém, o risco que se corre, geralmente, quando não existe variedade no modo de avaliar é que, quando muito, até somos capazes de treinar pessoas para resolverem questões, contudo, diversos estudantes são prejudicados durante o ano letivo por não se encaixarem plenamente nessa forma de demonstrarem seus conhecimentos.

Mas não é só a questão da relação com as avaliações externas. Há a necessidade de validar o aprendizado dos discentes, quantificar, e assim justificar o trabalho da equipe escolar por meio de boletins inúmeras vezes com resultados ilusórios. E por que ilusórios? Porque há a famosa “cola”, porque há o aprendiz que estuda na véspera da avaliação, garante algumas informações na memória de curta duração e que serão descartadas assim que conseguirem responder, não configurando, de fato, aquisição de conhecimento.

Um autor que nos ajuda bastante a refletir sobre essa questão é Cipriano Carlos Luckesi, por isso, gostaria de pontuar algumas reflexões propostas em seu livro Sobre notas escolares: distorções e possibilidades, quando este afirma que as notas escolares “camuflam a realidade para que não enxerguemos os seus limitados processos e resultados”. Entre os pontos destacados pelo autor está a questão da, segundo ele, equivocada compreensão da avaliação enquanto qualitativa e quantitativa, haja vista que tendemos a relacionar quantitativo com a aprendizagem de conteúdo e o qualitativo com a performance atitudinal dos estudantes.

De acordo com Luckesi, toda avaliação deve mensurar a qualidade do que se aprende, ou seja, é preciso saber se houve refinamento na apropriação dos conteúdos trabalhados, “transformando-os em habilidades, quantitativamente significativas”. Desse modo, não se deve confundir qualidade da aprendizagem com comportamento estudantil, ainda que a as atitudes adequadas dos aprendizes durante as aulas sejam importantes para avaliar o perfil deles e a disponibilidade em aprender. Como o intuito do texto aqui apresentado é lançar questões e indicar leituras, não pretendo resumir a obra citada, mas considero pertinente pontuar outras duas distorções apresentadas pelo autor: a média simples e a ponderada.

Quando a média é simples, as avaliações de conteúdos distintos têm peso igual e, muitas vezes, o estudante alcança uma nota alta em uma avaliação e baixa em outra, mas, ao dividir os valores, ele alcança a média estabelecida pela escola e é como se estivesse aprendido bem todos os conteúdos. Dessa maneira, para Luckesi, “O efeito negativo desse processo é que os educadores e o sistema de ensino se contentam coma média de ‘quantidade de qualidade’ (que, por si, é uma ficção) e esquecem a necessidade de construção de resultados efetivamente satisfatórios em todas as ‘unidades de conhecimento’ ensinadas e que deveriam ser aprendidas”. E há mais distorções...

No que tange à média ponderada, o autor vai questionar quais são os critérios usados pelas instituições ao estabelecerem avaliações com pontuações distintas, e quais os critérios utilizados pelos professores ao escolherem os conteúdos que serão cobrados em cada uma dessas avaliações, delimitando os que valem mais ou menos. Além dos pontos abordados até aqui, várias outras reflexões são realizados pelo autor, fazendo-nos perceber o quanto distante estamos de realizarmos um processo avaliativo justo e efetivo. Cabe ressaltar, porém, que não se pode culpar os professores quando há, por parte da gestão pedagógica, uma imposição dos modelos citados, não dando margem para que o docente desenvolva outros métodos avaliativos.

Portanto, não são apenas os educadores que devem refletir sobre avaliação, mas a gestão escolar também. Caso não haja modificação no modo de avaliar, certamente teremos dificuldades em ajudar os aprendizes a desenvolverem as competências preconizadas pela BNCC. Dessa maneira, indico a leitura do livro apresentado neste texto, o que possibilitará o acesso a uma análise de algumas possibilidades avaliativas mais pertinentes, pois, apesar de julgarmos estarmos agindo adequadamente, a reflexão proposta por Luckesi nos faz compreender que ainda estamos muito longe de alcançarmos resultados avaliativos mais reais e possibilitadores de procedimentos que, de fato, estejam comprometidos com uma aprendizagem significativa para além do que aparece em um registro de boletim.

sábado, 19 de setembro de 2020

E as emoções, professores e professoras?



 Por Elis Franco

    Daniel Goleman, em Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente, afirma que “Uma visão da natureza humana que ignore o poder das emoções é lamentavelmente míope”. É notório que o estudo acerca das emoções e processo de aprendizagem tem ganhado destaque nos últimos tempos, inclusive, a competência 8 da BNCC preconiza que a escola deve colaborar para que os estudantes reconheçam suas emoções e saibam como gerenciá-las, não apenas as suas, como também as daqueles com quem convivem, criando uma noção de empatia e solidariedade.

            Ainda de acordo com esse autor, “Num certo sentido, temos dois cérebros, duas mentes ─ e dois tipos diferentes de inteligência: racional e emocional. Nosso desempenho na vida é determinado pelas duas ─ não é apenas o QI, mas a inteligência emocional também conta”. Nesse sentido, é crucial prepararmos os discentes para reconhecerem e lidarem com a raiva, o medo, a felicidade, a tristeza e tantos outros estados emocionais pelos quais passam ao longo da vida, visto que um “sequestro emocional” pode desencadear comportamentos inesperados e inoportunos, prejudicando as relações sociais e impedindo a aprendizagem necessária.

            Dessa maneira, tendo em vista a importância da saúde emocional nos processos de socialização e aprendizado, cabe à escola preocupar-se com tal questão , pois, como afirma Goleman, a inteligência emocional é “ a capacidade de criar motivações para si próprio e de pensar num objetivo apesar dos percalços; de controlar impulsos e saber aguardar pela satisfação de seus desejos; de se manter em bom estado de espírito e de impedir que a ansiedade interfira na capacidade de raciocinar; de ser empático e autoconfiante”.

Qualquer profissional de educação que esteja atuando na contemporaneidade sabe o quanto são inúmeros os casos de estudantes com dificuldade na aprendizagem não pelo fato de apresentarem problemas cognitivos, mas porque enfrentam batalhas emocionais terríveis, oriundas de relações familiares e sociais caóticas, ou questões de baixa autoestima, por exemplo. São aprendizes depressivos, ansiosos, buscando na automutilação e até no suicídio saídas para atenuarem a dor de existir.

Contudo, ainda que saibamos dessa realidade, nós professores nem sempre sabemos como ajudá-los, seja por total falta de interesse, seja porque também nós não conseguimos reconhecer e lidar com nossas emoções. Assim, não há como ser empático com nossos aprendizes se não desenvolvemos primeiro a capacidade de reconhecer o quanto um estado emocional mal administrado nos leva a perder a atenção, a tratar o outro com irritabilidade, a considerar que, em geral, aqueles que não alcançam resultado, uma boa nota na avaliação, age assim por total falta de interesse, quando, na verdade, apesar de isso poder ser verdadeiro, em significativa parte dos casos há uma dificuldade para gerenciar um processo emocional ,o qual, por diferentes razões, nem sempre chega ao conhecimento do docente.

Por experiência, sei o quanto é difícil estar pleno em sala de aula quando emocionalmente as coisas não andam bem conosco, sobretudo porque somos apenas um/uma para conduzir o processo de aprendizagem de estudantes com diferentes perfis, travando lutas internas variadas. Há, certamente, uma tendência de agirmos inadequadamente cada vez que não compreendemos o que se passa em nós, por isso, pensar a questão emocional do professor deve ser ponto básico de toda instituição de ensino que preze por um educação sensível e humanizada.

Nesse sentido, Max Marchand, em A afetividade do professor, ressalta que “Os educadores têm necessidade de cuidarem de sua vida mental, já que sua afetividade se acha mais ou menos alterada pelo seu ofício”. Além das questões externas ao ambiente escolar, há situações nesse espaço, inclusive em sala de aula, que também mexem com o estado emotivo do educador, por isso, não é suficiente um profissional que domine conteúdo, mas que esteja apto a lidar com suas emoções e a dos educandos, assim, como afirma Marchand, será possível criar um par afetivo adequado, possibilitando situações de aprendizagem mais significativas.

Concluindo esta reflexão, destaco o pensamento de Ramon M. Cosenza e Leonor B. Guerra, em Neurociência e educação: como o cérebro aprende, quando afirmam: “Por isso, as emoções precisam ser consideradas nos processos educacionais. Logo, é importante que o ambiente escolar seja planejado de forma a mobilizar as emoções positivas (entusiasmo, curiosidade, envolvimento, desafio), enquanto as negativas (ansiedade, apatia, medo, frustração) devem ser evitadas para que não perturbem a aprendizagem”.

Porém, tudo isso só ocorrerá se tivermos em nossas escolas gestão pedagógica de fato preocupada em olhar estudantes e professores com sensibilidade, ajudando-os a reconheceram e operacionalizarem as emoções que, por ventura, possam atrapalhar a beleza do momento em que alguém aprende mediado por quem está disposto a ensinar o que foi aprendido outrora. Somente com profissionais emocionalmente saudáveis será possível um ensino em que se compreenda o aprendiz em sua complexidade.

sábado, 15 de agosto de 2020

Desenvolvendo competências para ser competente na vida

 Competências para o mercado: todos precisam ser líderes? | Ary Ramos

 Por Elis Franco


Um grande destaque da BNCC, além de propor uma formação estudantil mais igualitária no que tange aos saberes apresentados pelas escolas de todo o Brasil, é, certamente, um ensino pautado em desenvolvimento de competências, o que já vinha sendo ressaltado por inúmeros educadores, reforçando, assim, a necessidade de se repensar práticas didáticas e avaliativas. Philippe Perrenoud, por exemplo, em Desenvolver competências ou ensinar saberes? A escola que prepara para a vida, oferece-nos um estudo providencial acerca do tema, afirmando que “competência é o poder de agir com eficácia em uma situação, mobilizando e combinando, em tempo real e de modo pertinente, os recursos intelectuais e emocionais”.

            Mas será que o modo como ensinamos e avaliamos tem contribuído para que nossos estudantes sejam competentes no exercício de tarefas e atitudes cotidianas? Será que nossas instituições escolares estão preocupadas em formar estudantes capazes de viver coletivamente, agindo com prudência diante das divergências? É certo que há professores e escolas comprometidos com tal questão; é certo, também, que há professores isolados remando contra a maré em escolas que ainda não se deram conta da importância de um modelo de educação que vise ao desenvolvimento de competências realmente úteis.

            Considero, desse modo, a BNNC importante, ainda que alguns pontos possam ser reavaliados, quando define, por exemplo, a aprendizagem de competências relacionadas à empatia e à cooperação, ao autoconhecimento e ao autocuidado, à ética no uso dos meios digitais e à eficiência nas ações individual e coletiva. Sem dúvida, ao estabelecer tais competências como basilares, a Base colabora para que as instituições escolares repensem os modelos educativos, haja vista que, diante dos índices de violência em vários âmbitos sociais, do desrespeito e indiferença, do descontrole emocional de crianças, jovens e adultos que estão ou já passaram por instituições de ensino, é perceptível o quanto falhamos nesse aspecto da formação para a vida.

            Com isso, no entanto, não quero dizer que a escola é a única responsável pela formação cidadã plena, mas que ela não pode se eximir de sua missão nessa formação, tendo em vista seu papel social. Porém, há que se refletir sobre um ponto crucial: nossos estudantes têm vidas diferentes e precisam de competências distintas, dependendo da classe social a qual pertencem, sobretudo. Nesse sentido, Perrenoud afirma que “A vida não tem porta-voz, e qualquer um que se aventure a dizer quais são os conhecimentos e as competências que ela exige seria imediatamente contestado por alguém que teria uma definição diferente de tais conhecimentos e competências por não ter as mesmas representações da vida, os mesmos valores e, às vezes, os mesmos interesses”.

            Diante dessa reflexão, percebe-se que não adianta decorar as dez competências gerais da BNCC se não estivermos dispostos a analisar a conjuntura na qual estamos inseridos e buscarmos mecanismos para garantir que os estudantes estarão minimamente aptos a usar conhecimentos na vida prática, esta que se apresenta de forma diversa para uma gama deles. É possível, sim, trabalhar os conteúdos propostos pelos distintos componentes curriculares, fazendo com que os discentes desenvolvam habilidades que garantirão competência ao agirem em situações reais. Para isso, o corpo docente e a gestão escolar devem identificar os anseios, as possibilidades e os entraves pelos quais passam seu público.

            Por exemplo, desenvolver competência para agir eticamente não está relacionado a decorar os que os filósofos disseram sobre ética, mas, a partir da análise de situações reais ou recortes ficcionais, propor reflexões, mediadas pelo pensamento filosófico clássico e contemporâneo, acerca das atitudes mais viáveis para o equilíbrio social, criando, inclusive, situações em sala de aula em que o comportamento ético seja necessário e possa ser analisada sua execução. Além disso, perceber que, dependo do perfil social de nosso estudante, os impasses éticos pelos quais passarão serão diferentes, de acordo com seus modelos de vida, lugares que frequentam etc.

            Logo, ainda que a Base seja comum e necessária, o modo como os educadores ajudarão a formar as competências propostas por ela deve, em alguns casos, ser particularizado, ou corremos o sério risco de continuar insistindo em uma educação pautada no acúmulo de informações sobre as diferentes áreas, sem que estas possam ser utilizadas de forma produtiva em situações cotidianas. Assim, é preciso que, enquanto educadores e educadoras, estejamos dispostos a mostrar aos aprendizes a importância do que ensinamos para uma melhor compreensão dos fenômenos sociais e físicos; das relações interpessoais e tantas outras situações que a escola ainda não se ateve adequadamente.

            Não sejamos incompetentes ao praticar um ensino que espera uma formação para agir competentemente. Dialoguemos com os colegas de profissão, pesquisemos um pouco mais sobre o tema, usemos a sala de aula como um laboratório, até que nos aproximemos do que se espera como ideal de educação que transborda vida e prepara para a boa vida.

            

domingo, 2 de agosto de 2020

A formação de docentes hábeis em ferramentas e brinquedos

Comissão divulga resultado final para capacitação docente — Portal ...

Por Elis Franco

Se há uma coisa que professores e professoras gostam de fazer é falar de estudantes que leem ou estudam pouco. No entanto, se fizermos uma pesquisa rápida descobriremos o quanto parte significativa desses profissionais também pouco estudam, ainda que nossa profissão seja uma das mais exigentes em capacitação continuada. Então, como falar de aplicabilidade da BNCC quando não há, por parte de quem vai fazer “o bonde andar”, a compreensão das limitações do saber e o desejo de uma aprendizagem constante? Como falar de ferramentas e brinquedos para quem não se mantém atualizado frente aos conhecimentos específicos de sua área de atuação ou, em diversas realidades, pouco ou nada sabe sobre o papel das emoções no processo de aprendizado?

Percebemos, portanto, que a BNCC expõe as competências que os aprendizes devem adquirir ao longo do processo educativo. E quanto ao professor, quais competências são necessárias para que desenvolva a docência de modo afetivo e efetivo? Como atuar em um mundo dito globalizado, mas com relações de pertença e presença tão fragmentadas? Creio que Philippe Perrenoud possa nos ajudar a refletir sobre tais questões, por meio das ideias presentes no livro Dez novas competências para ensinar.

Nessa obra, uma das competências indicadas é justamente “administrar sua própria formação continuada”, ou seja, comprometer-se com sua capacitação, seja por meio de formações ofertadas nas instituições onde ensinam, pelas plataformas digitais ou outros mecanismos. Além disso, a leitura é um meio importantíssimo também para quem leciona, visto que, a cada dia, diferentes reflexões e estudos acerca das diversas áreas, inclusive sobre processos de ensino e aprendizagem, são disponibilizados em livros físicos ou meios digitais.  

Sem dúvida, a autoformação é responsabilidade de todos os profissionais, pois assegura-lhes o desenvolvimento de habilidades capazes de torná-los ainda mais competentes no que realizam. E ser competente não é apenas saber fazer, mas fazer da forma mais eficaz, consciente dos desafios que poderão ser encontrados pelo caminho e disposto a reavaliar e a refazer de acordo com a demanda. No caso dos profissionais de educação, urge pensar no estudante hodierno, nas relações sociais contemporâneas, no avanço das pesquisas nas áreas de psicologia cognitiva, neurociência e tantas outras que nos auxiliam a compreender que ensinar não é somente dominar conteúdo.

Por exemplo, a competência 5 da BNCC versa sobre a cultura digital, porém, é notório que nem todo educador tem habilidade para garantir o uso de tais tecnologias em suas aulas, o que colaboraria bastante para a realização de atividades significativas (isso no caso das escolas que sejam aparelhadas para tal ação, o que nem sempre ocorre). Assim, outra competência apontada por Perrenoud e que deve ser exercitada pelos docentes é “utilizar novas tecnologias”, haja vista a relação de conectividade atual e a gama de recursos que estas oferecem, apoiando os métodos tradicionais ainda pertinentes e que, ao serem analisada a sua eficácia, não devem ser descartados.

Não irei falar aqui sobre as dez competências citadas por Perrenoud, é claro. Fica a dica de leitura para quem ainda não a fez. Quero, contudo, destacar mais uma, a de “organizar e dirigir situações de aprendizagem”, que está relacionada com as competências 2, 4 e 7 da BNCC. Não há como favorecer o desenvolvimento do senso crítico, da argumentação e da comunicação sem “gastar/ganhar” tempo na preparação de sequências didáticas capazes de colocar os aprendizes em situação de troca, de diálogos, de participação ativa no processo. Esses momentos precisam ser planejados e exigem diferentes modos de atuação.

Não basta apenas fazer uma roda de leitura/conversa aleatória e fingir que deixa os alunos desenvolverem a autonomia. É preciso pensar em uma tarefa de acordo com o nível da turma, o objetivo que se deseja alcançar, a duração da aula. Não basta deixar que falem para, em seguida, exercer a tirania do saber e desconstruir, de modo prepotente, todas as formulações de ideias apresentadas.

Ser hábil, portanto, em caixinha de ferramentas e de brinquedos é ser capaz, também, de ouvir com paciência, orientar com sensibilidade, indicar o caminho sem apontar o dedo de forma afrontosa. Ser hábil em ajudar a usar ferramentas e brinquedos é reconhecer-se sempre limitado. Desejar as aprendências que nos chegam de diferentes formas, inclusive, nos momentos de aula, quando, apesar de várias limitações, cada discente prova que também pode nos ensinar algo.

 


sábado, 25 de julho de 2020

BNCC em metáfora


Brincando de Lince, estimulando a alfabetização! #INCLUprática


Por Elis Franco

            Tenho ouvido muitas explicações acerca da BNCC, algumas mais otimistas quanto às mudanças, outras nem tanto assim. Fiquei pensando, então, em um modo conciso para defini-la, e creio que uma metáfora ajudaria bastante. Na busca por uma analogia, lembrei-me do saudoso Rubem Alves em seu livro A educação dos sentidos, quando este afirma que a função da escola é ofertar duas preciosas caixinhas aos aprendizes. E como a metáfora usada por ele é muito boa, considerei desnecessária a criação de outra, já que, como diz Alves, “Uma boa imagem é inesquecível”. Vamos aos significados.
            O nosso contador de história, pedagogo e poeta, no livro citado, diz que “O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, na mão do coração, ele leva uma caixa de brinquedos”. E qual a relação disso com a BNCC e suas dez competências? A tal caixinha de ferramentas deve conter os conhecimentos necessários para a inserção social presente e futura dos estudantes, os saberes das diferentes áreas cujos serão importantes na execução profissional e na convivência em diferentes âmbitos da sociedade.
            Se observarmos as competências 1, 2 e 6, perceberemos que o foco delas é justamente ofertar essas ferramentas, pois lidam com a questão do conhecimento, pensamento crítico e criativo, além da formação de um projeto de vida no qual a carreira profissional está inserida. Desse modo, uma escola negligente em relação aos conteúdos certamente prejudicará o aprendiz, visto que deixou de capacitá-lo adequadamente, colocando-o em desvantagem frente às demandas de socialização e trabalho.
            Mas, para além do pragmatismo do ensino, é preciso pensar na formação emocional dos meninos e meninas, futuros homens e mulheres que atuarão em várias profissões. Dessa maneira, pouco adianta uma formação conteudista consistente se o emocional não estiver fortalecido, se não houver empatia e capacidade de autoconhecimento e respeito. Por isso, cabe à escola ofertar uma bela caixinha de brinquedos, por meio, por exemplo, de atividades lúdicas envolvendo a fruição e execução de práticas artísticas, conquanto a arte tem essa potência de mexer com nossos sentidos e nos ensinar a ver e sentir melhor a nós e ao mundo, não dispensando, porém, profissionais da área da psicologia para ajudarem no desenvolvimento socioemocional dos discentes.
            Destaco, desse modo, as competências 3, 8 e 9, as quais defendem a aquisição do repertório sociocultural, o autocuidado e autoconhecimento, além do exercício da empatia e cooperação tão valorosas na constituição de vivências harmoniosas e saudáveis. Eu sei que o que disse até aqui é “mais do mesmo”. No entanto, é importante uma reflexão sobre o quanto o corpo docente e demais membros de nossas instituições escolares, sobretudo as públicas, estão aptos a, de modo pertinente, oferecer e ajudar a utilizar as caixinhas de ferramentas e de brinquedos, porque temos consciência do quanto nem todos estão preparados para entrelaçar estado de ludicidade e aplicação de conteúdo, desenvolvendo ações efetivas de acordo com as necessidades já apontadas.
            Não é raro encontrarmos professores excelentes em domínio de sua área, preocupados em demonstrar seus inúmeros conhecimentos, contudo, apenas isso. Para um profissional desse perfil, a preocupação centra-se em que os aprendizes dominem as informações, independentemente de quão úteis elas serão em suas vidas ou quais os dilemas que enfrentam em seus cotidianos, o que, às vezes, pode prejudicar a aprendizagem.
Há, ainda, aqueles que, julgando-se afetivos e empáticos, transformam as aulas em supostos momentos de “ludicidade”, sem, contudo, relacionar “saber e sabor”, e vão deixando lacunas expressivas na caixinha de ferramentas dos educandos. Portanto, a implementação da Base sem levar em consideração a formação não apenas dos docentes, mas de toda a equipe escolar, a fim de que compreendam o quão devem ter habilidades para ajudarem a usar brinquedos e ferramentas, é mister para que a BNCC não seja apenas mais um documento pouco eficiente na prática.
E quem deve se responsabilizar pela capacitação dos profissionais de educação? Óbvio que as instituições escolares, privadas ou públicas, por meio de formações, discussões, orientações. Mas, para além delas, cada professor e professora deve assumir a responsabilidade de uma autoanálise e autoformação, o que já é feito por muito deles, porém, isso é assunto para outro texto, outras possibilidades reflexivas, mais uma ferramenta para a nossa caixinha do saber.