sábado, 15 de agosto de 2020

Desenvolvendo competências para ser competente na vida

 Competências para o mercado: todos precisam ser líderes? | Ary Ramos

 Por Elis Franco


Um grande destaque da BNCC, além de propor uma formação estudantil mais igualitária no que tange aos saberes apresentados pelas escolas de todo o Brasil, é, certamente, um ensino pautado em desenvolvimento de competências, o que já vinha sendo ressaltado por inúmeros educadores, reforçando, assim, a necessidade de se repensar práticas didáticas e avaliativas. Philippe Perrenoud, por exemplo, em Desenvolver competências ou ensinar saberes? A escola que prepara para a vida, oferece-nos um estudo providencial acerca do tema, afirmando que “competência é o poder de agir com eficácia em uma situação, mobilizando e combinando, em tempo real e de modo pertinente, os recursos intelectuais e emocionais”.

            Mas será que o modo como ensinamos e avaliamos tem contribuído para que nossos estudantes sejam competentes no exercício de tarefas e atitudes cotidianas? Será que nossas instituições escolares estão preocupadas em formar estudantes capazes de viver coletivamente, agindo com prudência diante das divergências? É certo que há professores e escolas comprometidos com tal questão; é certo, também, que há professores isolados remando contra a maré em escolas que ainda não se deram conta da importância de um modelo de educação que vise ao desenvolvimento de competências realmente úteis.

            Considero, desse modo, a BNNC importante, ainda que alguns pontos possam ser reavaliados, quando define, por exemplo, a aprendizagem de competências relacionadas à empatia e à cooperação, ao autoconhecimento e ao autocuidado, à ética no uso dos meios digitais e à eficiência nas ações individual e coletiva. Sem dúvida, ao estabelecer tais competências como basilares, a Base colabora para que as instituições escolares repensem os modelos educativos, haja vista que, diante dos índices de violência em vários âmbitos sociais, do desrespeito e indiferença, do descontrole emocional de crianças, jovens e adultos que estão ou já passaram por instituições de ensino, é perceptível o quanto falhamos nesse aspecto da formação para a vida.

            Com isso, no entanto, não quero dizer que a escola é a única responsável pela formação cidadã plena, mas que ela não pode se eximir de sua missão nessa formação, tendo em vista seu papel social. Porém, há que se refletir sobre um ponto crucial: nossos estudantes têm vidas diferentes e precisam de competências distintas, dependendo da classe social a qual pertencem, sobretudo. Nesse sentido, Perrenoud afirma que “A vida não tem porta-voz, e qualquer um que se aventure a dizer quais são os conhecimentos e as competências que ela exige seria imediatamente contestado por alguém que teria uma definição diferente de tais conhecimentos e competências por não ter as mesmas representações da vida, os mesmos valores e, às vezes, os mesmos interesses”.

            Diante dessa reflexão, percebe-se que não adianta decorar as dez competências gerais da BNCC se não estivermos dispostos a analisar a conjuntura na qual estamos inseridos e buscarmos mecanismos para garantir que os estudantes estarão minimamente aptos a usar conhecimentos na vida prática, esta que se apresenta de forma diversa para uma gama deles. É possível, sim, trabalhar os conteúdos propostos pelos distintos componentes curriculares, fazendo com que os discentes desenvolvam habilidades que garantirão competência ao agirem em situações reais. Para isso, o corpo docente e a gestão escolar devem identificar os anseios, as possibilidades e os entraves pelos quais passam seu público.

            Por exemplo, desenvolver competência para agir eticamente não está relacionado a decorar os que os filósofos disseram sobre ética, mas, a partir da análise de situações reais ou recortes ficcionais, propor reflexões, mediadas pelo pensamento filosófico clássico e contemporâneo, acerca das atitudes mais viáveis para o equilíbrio social, criando, inclusive, situações em sala de aula em que o comportamento ético seja necessário e possa ser analisada sua execução. Além disso, perceber que, dependo do perfil social de nosso estudante, os impasses éticos pelos quais passarão serão diferentes, de acordo com seus modelos de vida, lugares que frequentam etc.

            Logo, ainda que a Base seja comum e necessária, o modo como os educadores ajudarão a formar as competências propostas por ela deve, em alguns casos, ser particularizado, ou corremos o sério risco de continuar insistindo em uma educação pautada no acúmulo de informações sobre as diferentes áreas, sem que estas possam ser utilizadas de forma produtiva em situações cotidianas. Assim, é preciso que, enquanto educadores e educadoras, estejamos dispostos a mostrar aos aprendizes a importância do que ensinamos para uma melhor compreensão dos fenômenos sociais e físicos; das relações interpessoais e tantas outras situações que a escola ainda não se ateve adequadamente.

            Não sejamos incompetentes ao praticar um ensino que espera uma formação para agir competentemente. Dialoguemos com os colegas de profissão, pesquisemos um pouco mais sobre o tema, usemos a sala de aula como um laboratório, até que nos aproximemos do que se espera como ideal de educação que transborda vida e prepara para a boa vida.

            

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