Por Elis Franco
Um grande destaque da BNCC, além de propor uma formação estudantil mais igualitária no que tange aos saberes apresentados pelas escolas de todo o Brasil, é, certamente, um ensino pautado em desenvolvimento de competências, o que já vinha sendo ressaltado por inúmeros educadores, reforçando, assim, a necessidade de se repensar práticas didáticas e avaliativas. Philippe Perrenoud, por exemplo, em Desenvolver competências ou ensinar saberes? A escola que prepara para a vida, oferece-nos um estudo providencial acerca do tema, afirmando que “competência é o poder de agir com eficácia em uma situação, mobilizando e combinando, em tempo real e de modo pertinente, os recursos intelectuais e emocionais”.
Mas será que o modo como ensinamos e
avaliamos tem contribuído para que nossos estudantes sejam competentes no
exercício de tarefas e atitudes cotidianas? Será que nossas instituições
escolares estão preocupadas em formar estudantes capazes de viver coletivamente,
agindo com prudência diante das divergências? É certo que há professores e
escolas comprometidos com tal questão; é certo, também, que há professores
isolados remando contra a maré em escolas que ainda não se deram conta da
importância de um modelo de educação que vise ao desenvolvimento de competências
realmente úteis.
Considero, desse modo, a BNNC
importante, ainda que alguns pontos possam ser reavaliados, quando define, por
exemplo, a aprendizagem de competências relacionadas à empatia e à cooperação,
ao autoconhecimento e ao autocuidado, à ética no uso dos meios digitais e à eficiência
nas ações individual e coletiva. Sem dúvida, ao estabelecer tais competências
como basilares, a Base colabora para que as instituições escolares repensem os
modelos educativos, haja vista que, diante dos índices de violência em vários
âmbitos sociais, do desrespeito e indiferença, do descontrole emocional de
crianças, jovens e adultos que estão ou já passaram por instituições de ensino,
é perceptível o quanto falhamos nesse aspecto da formação para a vida.
Com isso, no entanto, não quero
dizer que a escola é a única responsável pela formação cidadã plena, mas que
ela não pode se eximir de sua missão nessa formação, tendo em vista seu papel
social. Porém, há que se refletir sobre um ponto crucial: nossos estudantes têm
vidas diferentes e precisam de competências distintas, dependendo da classe
social a qual pertencem, sobretudo. Nesse sentido, Perrenoud afirma que “A vida
não tem porta-voz, e qualquer um que se aventure a dizer quais são os
conhecimentos e as competências que ela exige seria imediatamente contestado
por alguém que teria uma definição diferente de tais conhecimentos e
competências por não ter as mesmas representações da vida, os mesmos valores e,
às vezes, os mesmos interesses”.
Diante dessa reflexão, percebe-se
que não adianta decorar as dez competências gerais da BNCC se não estivermos
dispostos a analisar a conjuntura na qual estamos inseridos e buscarmos
mecanismos para garantir que os estudantes estarão minimamente aptos a usar
conhecimentos na vida prática, esta que se apresenta de forma diversa para uma
gama deles. É possível, sim, trabalhar os conteúdos propostos pelos distintos
componentes curriculares, fazendo com que os discentes desenvolvam habilidades
que garantirão competência ao agirem em situações reais. Para isso, o corpo
docente e a gestão escolar devem identificar os anseios, as possibilidades e os
entraves pelos quais passam seu público.
Por exemplo, desenvolver competência
para agir eticamente não está relacionado a decorar os que os filósofos
disseram sobre ética, mas, a partir da análise de situações reais ou recortes
ficcionais, propor reflexões, mediadas pelo pensamento filosófico clássico e
contemporâneo, acerca das atitudes mais viáveis para o equilíbrio social,
criando, inclusive, situações em sala de aula em que o comportamento ético seja
necessário e possa ser analisada sua execução. Além disso, perceber que,
dependo do perfil social de nosso estudante, os impasses éticos pelos quais passarão
serão diferentes, de acordo com seus modelos de vida, lugares que frequentam
etc.
Logo, ainda que a Base seja comum e
necessária, o modo como os educadores ajudarão a formar as competências
propostas por ela deve, em alguns casos, ser particularizado, ou corremos o sério
risco de continuar insistindo em uma educação pautada no acúmulo de informações
sobre as diferentes áreas, sem que estas possam ser utilizadas de forma
produtiva em situações cotidianas. Assim, é preciso que, enquanto educadores e
educadoras, estejamos dispostos a mostrar aos aprendizes a importância do que
ensinamos para uma melhor compreensão dos fenômenos sociais e físicos; das
relações interpessoais e tantas outras situações que a escola ainda não se
ateve adequadamente.
Não sejamos incompetentes ao
praticar um ensino que espera uma formação para agir competentemente.
Dialoguemos com os colegas de profissão, pesquisemos um pouco mais sobre o
tema, usemos a sala de aula como um laboratório, até que nos aproximemos do que
se espera como ideal de educação que transborda vida e prepara para a boa vida.
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