Por Elis Franco
Se há uma coisa que professores e professoras gostam de fazer é falar de estudantes que leem ou estudam pouco. No entanto, se fizermos uma pesquisa rápida descobriremos o quanto parte significativa desses profissionais também pouco estudam, ainda que nossa profissão seja uma das mais exigentes em capacitação continuada. Então, como falar de aplicabilidade da BNCC quando não há, por parte de quem vai fazer “o bonde andar”, a compreensão das limitações do saber e o desejo de uma aprendizagem constante? Como falar de ferramentas e brinquedos para quem não se mantém atualizado frente aos conhecimentos específicos de sua área de atuação ou, em diversas realidades, pouco ou nada sabe sobre o papel das emoções no processo de aprendizado?
Percebemos,
portanto, que a BNCC expõe as competências que os aprendizes devem adquirir ao
longo do processo educativo. E quanto ao professor, quais competências são
necessárias para que desenvolva a docência de modo afetivo e efetivo? Como
atuar em um mundo dito globalizado, mas com relações de pertença e presença tão
fragmentadas? Creio que Philippe Perrenoud possa nos ajudar a refletir sobre
tais questões, por meio das ideias presentes no livro Dez novas competências para ensinar.
Nessa
obra, uma das competências indicadas é justamente “administrar sua própria
formação continuada”, ou seja, comprometer-se com sua capacitação, seja por
meio de formações ofertadas nas instituições onde ensinam, pelas plataformas
digitais ou outros mecanismos. Além disso, a leitura é um meio importantíssimo
também para quem leciona, visto que, a cada dia, diferentes reflexões e estudos
acerca das diversas áreas, inclusive sobre processos de ensino e aprendizagem,
são disponibilizados em livros físicos ou meios digitais.
Sem
dúvida, a autoformação é responsabilidade de todos os profissionais, pois
assegura-lhes o desenvolvimento de habilidades capazes de torná-los ainda mais
competentes no que realizam. E ser competente não é apenas saber fazer, mas
fazer da forma mais eficaz, consciente dos desafios que poderão ser encontrados
pelo caminho e disposto a reavaliar e a refazer de acordo com a demanda. No
caso dos profissionais de educação, urge pensar no estudante hodierno, nas
relações sociais contemporâneas, no avanço das pesquisas nas áreas de psicologia
cognitiva, neurociência e tantas outras que nos auxiliam a compreender que
ensinar não é somente dominar conteúdo.
Por
exemplo, a competência 5 da BNCC versa sobre a cultura digital, porém, é
notório que nem todo educador tem habilidade para garantir o uso de tais
tecnologias em suas aulas, o que colaboraria bastante para a realização de
atividades significativas (isso no caso das escolas que sejam aparelhadas para
tal ação, o que nem sempre ocorre). Assim, outra competência apontada por
Perrenoud e que deve ser exercitada pelos docentes é “utilizar novas
tecnologias”, haja vista a relação de conectividade atual e a gama de recursos
que estas oferecem, apoiando os métodos tradicionais ainda pertinentes e que,
ao serem analisada a sua eficácia, não devem ser descartados.
Não
irei falar aqui sobre as dez competências citadas por Perrenoud, é claro. Fica
a dica de leitura para quem ainda não a fez. Quero, contudo, destacar mais uma,
a de “organizar e dirigir situações de aprendizagem”, que está relacionada com
as competências 2, 4 e 7 da BNCC. Não há como favorecer o desenvolvimento do
senso crítico, da argumentação e da comunicação sem “gastar/ganhar” tempo na
preparação de sequências didáticas capazes de colocar os aprendizes em situação
de troca, de diálogos, de participação ativa no processo. Esses momentos
precisam ser planejados e exigem diferentes modos de atuação.
Não
basta apenas fazer uma roda de leitura/conversa aleatória e fingir que deixa os
alunos desenvolverem a autonomia. É preciso pensar em uma tarefa de acordo com
o nível da turma, o objetivo que se deseja alcançar, a duração da aula. Não
basta deixar que falem para, em seguida, exercer a tirania do saber e
desconstruir, de modo prepotente, todas as formulações de ideias apresentadas.
Ser
hábil, portanto, em caixinha de ferramentas e de brinquedos é ser capaz,
também, de ouvir com paciência, orientar com sensibilidade, indicar o caminho
sem apontar o dedo de forma afrontosa. Ser hábil em ajudar a usar ferramentas e
brinquedos é reconhecer-se sempre limitado. Desejar as aprendências que nos
chegam de diferentes formas, inclusive, nos momentos de aula, quando, apesar de
várias limitações, cada discente prova que também pode nos ensinar algo.
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