Por Elis Franco
Tenho ouvido muitas explicações
acerca da BNCC, algumas mais otimistas quanto às mudanças, outras nem tanto
assim. Fiquei pensando, então, em um modo conciso para defini-la, e creio que
uma metáfora ajudaria bastante. Na busca por uma analogia, lembrei-me do saudoso
Rubem Alves em seu livro A educação dos
sentidos, quando este afirma que a função da escola é ofertar duas
preciosas caixinhas aos aprendizes. E como a metáfora usada por ele é muito
boa, considerei desnecessária a criação de outra, já que, como diz Alves, “Uma
boa imagem é inesquecível”. Vamos aos significados.
O nosso contador de história,
pedagogo e poeta, no livro citado, diz que “O corpo carrega duas caixas. Na mão
direita, mão da destreza e do trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E na
mão esquerda, na mão do coração, ele leva uma caixa de brinquedos”. E qual a
relação disso com a BNCC e suas dez competências? A tal caixinha de ferramentas
deve conter os conhecimentos necessários para a inserção social presente e
futura dos estudantes, os saberes das diferentes áreas cujos serão importantes
na execução profissional e na convivência em diferentes âmbitos da sociedade.
Se observarmos as competências 1, 2
e 6, perceberemos que o foco delas é justamente ofertar essas ferramentas, pois
lidam com a questão do conhecimento, pensamento crítico e criativo, além da
formação de um projeto de vida no qual a carreira profissional está inserida.
Desse modo, uma escola negligente em relação aos conteúdos certamente
prejudicará o aprendiz, visto que deixou de capacitá-lo adequadamente,
colocando-o em desvantagem frente às demandas de socialização e trabalho.
Mas, para além do pragmatismo do
ensino, é preciso pensar na formação emocional dos meninos e meninas, futuros
homens e mulheres que atuarão em várias profissões. Dessa maneira, pouco
adianta uma formação conteudista consistente se o emocional não estiver
fortalecido, se não houver empatia e capacidade de autoconhecimento e respeito.
Por isso, cabe à escola ofertar uma bela caixinha de brinquedos, por meio, por
exemplo, de atividades lúdicas envolvendo a fruição e execução de práticas
artísticas, conquanto a arte tem essa potência de mexer com nossos sentidos e
nos ensinar a ver e sentir melhor a nós e ao mundo, não dispensando, porém,
profissionais da área da psicologia para ajudarem no desenvolvimento
socioemocional dos discentes.
Destaco, desse modo, as competências
3, 8 e 9, as quais defendem a aquisição do repertório sociocultural, o
autocuidado e autoconhecimento, além do exercício da empatia e cooperação tão
valorosas na constituição de vivências harmoniosas e saudáveis. Eu sei que o
que disse até aqui é “mais do mesmo”. No entanto, é importante uma reflexão
sobre o quanto o corpo docente e demais membros de nossas instituições
escolares, sobretudo as públicas, estão aptos a, de modo pertinente, oferecer e
ajudar a utilizar as caixinhas de ferramentas e de brinquedos, porque temos consciência
do quanto nem todos estão preparados para entrelaçar estado de ludicidade e
aplicação de conteúdo, desenvolvendo ações efetivas de acordo com as
necessidades já apontadas.
Não é raro encontrarmos professores
excelentes em domínio de sua área, preocupados em demonstrar seus inúmeros
conhecimentos, contudo, apenas isso. Para um profissional desse perfil, a
preocupação centra-se em que os aprendizes dominem as informações, independentemente
de quão úteis elas serão em suas vidas ou quais os dilemas que enfrentam em
seus cotidianos, o que, às vezes, pode prejudicar a aprendizagem.
Há,
ainda, aqueles que, julgando-se afetivos e empáticos, transformam as aulas em
supostos momentos de “ludicidade”, sem, contudo, relacionar “saber e sabor”, e
vão deixando lacunas expressivas na caixinha de ferramentas dos educandos.
Portanto, a implementação da Base sem levar em consideração a formação não
apenas dos docentes, mas de toda a equipe escolar, a fim de que compreendam o
quão devem ter habilidades para ajudarem a usar brinquedos e ferramentas, é
mister para que a BNCC não seja apenas mais um documento pouco eficiente na
prática.
E
quem deve se responsabilizar pela capacitação dos profissionais de educação?
Óbvio que as instituições escolares, privadas ou públicas, por meio de
formações, discussões, orientações. Mas, para além delas, cada professor e
professora deve assumir a responsabilidade de uma autoanálise e autoformação, o
que já é feito por muito deles, porém, isso é assunto para outro texto, outras
possibilidades reflexivas, mais uma ferramenta para a nossa caixinha do saber.
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