sábado, 25 de julho de 2020

BNCC em metáfora


Brincando de Lince, estimulando a alfabetização! #INCLUprática


Por Elis Franco

            Tenho ouvido muitas explicações acerca da BNCC, algumas mais otimistas quanto às mudanças, outras nem tanto assim. Fiquei pensando, então, em um modo conciso para defini-la, e creio que uma metáfora ajudaria bastante. Na busca por uma analogia, lembrei-me do saudoso Rubem Alves em seu livro A educação dos sentidos, quando este afirma que a função da escola é ofertar duas preciosas caixinhas aos aprendizes. E como a metáfora usada por ele é muito boa, considerei desnecessária a criação de outra, já que, como diz Alves, “Uma boa imagem é inesquecível”. Vamos aos significados.
            O nosso contador de história, pedagogo e poeta, no livro citado, diz que “O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, mão da destreza e do trabalho, ele leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda, na mão do coração, ele leva uma caixa de brinquedos”. E qual a relação disso com a BNCC e suas dez competências? A tal caixinha de ferramentas deve conter os conhecimentos necessários para a inserção social presente e futura dos estudantes, os saberes das diferentes áreas cujos serão importantes na execução profissional e na convivência em diferentes âmbitos da sociedade.
            Se observarmos as competências 1, 2 e 6, perceberemos que o foco delas é justamente ofertar essas ferramentas, pois lidam com a questão do conhecimento, pensamento crítico e criativo, além da formação de um projeto de vida no qual a carreira profissional está inserida. Desse modo, uma escola negligente em relação aos conteúdos certamente prejudicará o aprendiz, visto que deixou de capacitá-lo adequadamente, colocando-o em desvantagem frente às demandas de socialização e trabalho.
            Mas, para além do pragmatismo do ensino, é preciso pensar na formação emocional dos meninos e meninas, futuros homens e mulheres que atuarão em várias profissões. Dessa maneira, pouco adianta uma formação conteudista consistente se o emocional não estiver fortalecido, se não houver empatia e capacidade de autoconhecimento e respeito. Por isso, cabe à escola ofertar uma bela caixinha de brinquedos, por meio, por exemplo, de atividades lúdicas envolvendo a fruição e execução de práticas artísticas, conquanto a arte tem essa potência de mexer com nossos sentidos e nos ensinar a ver e sentir melhor a nós e ao mundo, não dispensando, porém, profissionais da área da psicologia para ajudarem no desenvolvimento socioemocional dos discentes.
            Destaco, desse modo, as competências 3, 8 e 9, as quais defendem a aquisição do repertório sociocultural, o autocuidado e autoconhecimento, além do exercício da empatia e cooperação tão valorosas na constituição de vivências harmoniosas e saudáveis. Eu sei que o que disse até aqui é “mais do mesmo”. No entanto, é importante uma reflexão sobre o quanto o corpo docente e demais membros de nossas instituições escolares, sobretudo as públicas, estão aptos a, de modo pertinente, oferecer e ajudar a utilizar as caixinhas de ferramentas e de brinquedos, porque temos consciência do quanto nem todos estão preparados para entrelaçar estado de ludicidade e aplicação de conteúdo, desenvolvendo ações efetivas de acordo com as necessidades já apontadas.
            Não é raro encontrarmos professores excelentes em domínio de sua área, preocupados em demonstrar seus inúmeros conhecimentos, contudo, apenas isso. Para um profissional desse perfil, a preocupação centra-se em que os aprendizes dominem as informações, independentemente de quão úteis elas serão em suas vidas ou quais os dilemas que enfrentam em seus cotidianos, o que, às vezes, pode prejudicar a aprendizagem.
Há, ainda, aqueles que, julgando-se afetivos e empáticos, transformam as aulas em supostos momentos de “ludicidade”, sem, contudo, relacionar “saber e sabor”, e vão deixando lacunas expressivas na caixinha de ferramentas dos educandos. Portanto, a implementação da Base sem levar em consideração a formação não apenas dos docentes, mas de toda a equipe escolar, a fim de que compreendam o quão devem ter habilidades para ajudarem a usar brinquedos e ferramentas, é mister para que a BNCC não seja apenas mais um documento pouco eficiente na prática.
E quem deve se responsabilizar pela capacitação dos profissionais de educação? Óbvio que as instituições escolares, privadas ou públicas, por meio de formações, discussões, orientações. Mas, para além delas, cada professor e professora deve assumir a responsabilidade de uma autoanálise e autoformação, o que já é feito por muito deles, porém, isso é assunto para outro texto, outras possibilidades reflexivas, mais uma ferramenta para a nossa caixinha do saber.
            

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