quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Encontros


O dia fez-se frio. Algo incomum naquela estação do ano, por isso, Jana havia saído de casa sem o seu agasalho e, como de costume, logo passou a espirrar e coçar o nariz avermelhado. Desde criança era sensível à frieza, talvez porque sua mãe a tratasse com excessos de cuidados, não permitindo que saísse desprotegida durante à noite, reclamando o tempo inteiro do sorvete dado pelo pai, do banho de piscina ou de qualquer situação que a colocasse supostamente em risco. Jana cresceu fugindo da frieza, tinha pavor de ar-condicionado e ventiladores, preferia o vento entrando pela janela do quarto, trazendo aquele frescor natural.
Para ela, era um suplício acordar nos dias de inverno, sobretudo quando eram chuvosos e muito gélidos. Mas, aos poucos, foi aprendendo a driblar os sintomas, protegendo-se como podia dos ventos quando saía de casa cedo ou precisava transitar durante à noite. Na verdade, determinados espaços eram por ela sempre evitados, a fim de não ficar envergonhada com a sequência de espirros que a deixavam totalmente sem graça. Foi justamente naquele dia que saiu desprotegida que ela precisou assistir a uma apresentação teatral de sua amiga Leila, em um teatro inaugurado há dois meses, friozinho do jeito que os lugares fechados merecem ser, como afirmavam todos os que a achavam sensível demais.
Ao chegar ao local, atrasada, por sinal, Jana dirigiu-se à sala, sentou-se em um dos poucos lugares disponíveis, tentando não fazer barulho. Para seu azar, ficou próxima ao local mais frio do teatro, tendo que, numa atitude inconsciente, encolher-se um pouco, como se o seu gesto bastasse para aliviar os arrepios que sentia. A peça começou a ser apresentada e, logo na primeira cena, percebeu a presença de Leila, radiante em seu figurino, majestosa em cada fala, em cada gesto. Jana a admirava pelo talento e, de algum modo, sentia-se também naquele palco, atuando de forma tão brilhante quanto sua amiga.
Apesar de demonstrar atenção, os arrepios a incomodavam, deixando-a, por vezes, inquieta, o que foi notado por um rapaz que estava ao seu lado e dirigiu-se a ela em um tom de voz sussurrante:
— Boa noite! Percebo que está com frio. Aceita o meu casaco? Eu o trouxe apenas por prevenção, mas sou mesmo é calorento.
— Boa noite! Aceito sim. Não consigo me concentrar. Estou congelando.
Ele retirou o casaco que estava sobre as pernas e passou para Jana, sorrindo em seguida. Os dois voltaram os olhares para o palco, que deixou de ser o único foco de atenção desde então. Após quarenta minutos de espetáculo, Jana pressentiu que teria uma daquelas crises de espirros e, rapidamente, pediu licença ao rapaz e foi ao banheiro, fugindo, assim, de um vexame. Lá esteve por cerca de dez minutos, tempo necessário para tomar um daqueles antialérgicos e refazer-se. Foi aí que ouviu os aplausos da plateia e percebeu que a peça havia terminado.
Ao chegar ao salão de entrada, as pessoas circulavam, gesticulavam, trocavam opiniões sobre a apresentação e ela, eufórica, procurava o rapaz que havia lhe emprestado o casaco, mas nada de encontrá-lo. Depois de alguns minutos, percebendo que estava ficando tarde para retornar para casa, deixou o local levando não apenas o casaco, mas a imagem daquele rosto atencioso e belo que havia feito seu coração reaquecer-se naquela noite.
Já em casa, Jana tentou dormir, porém, não conseguia deixar de pensar em como reencontrar o dono do casaco se ela sequer sabia seu nome, não possuía o número do seu telefone. Foi percebendo que era uma situação difícil e adormeceu. A partir de então não o tirou mais da cabeça, acordava, ia trabalhar, voltava para casa fabulando situações de um novo encontro, fosse na esquina, em um restaurante, na fila do banco, fosse onde fosse. Chegou a buscar notícias sobre a apresentação teatral, na tentativa de encontrar um foto, uma informação que a reaproxima-se dele.
O nível de encantamento dela era tamanho que se esqueceu de ligar para a amiga após o espetáculo, o que deve ter deixado Leila furiosa. As duas só voltaram a se falar uma semana depois, quando Jana, mais tranquila, tentou explicar-lhe por que não foi falar com ela após o evento.
— Leila, meu bem, você não faz ideia do que me aconteceu no dia da sua apresentação. Até hoje estou meio zonza, por isso esqueci até de falar contigo, amiga.
— Jana, fiquei chateada no momento, mas depois passou. Eu também vivi algumas situações estes dias. Precisamos mesmo conversar. Olha, estou ocupada com os ensaios e precisarei sumir um tempo. Assim que estiver mais livre, podemos marcar um encontro para colocarmos o papo em dia. O que acha?
— Acho ótimo! Ligue-me quando puder.
Despediram-se e voltaram a cuidar de suas vidas. Jana, cada vez mais, fantasiava o reencontro com o moço do casaco. Sentia-se uma adolescente apaixonada daqueles romances juvenis, sua alma era apenas sonho, idealização e devaneios. Os dias foram passando...
Passado um mês após o contato entre as duas, Leila ligou para Jana e decidiram se encontrar numa cafeteria próxima ao trabalho de Jana. No dia do encontro, o tempo estava nublado e Jana, impulsionada pela paixão, levou consigo o casaco recebido na noite do espetáculo. Na hora marcada, lá estavam as amigas, saudando-se com calorosos abraços e beijos.
— Como andam os ensaios?
— Bem mais tranquilos. O primeiro momento é sempre tenso, depois as coisas fluem. Conte-me aí o que ocorreu com você naquela noite para você desaparecer.
— Uma cena digna de novela. Imagine que um lindo rapaz ofereceu-me o casaco dele, este que estou vestida, para aplacar o frio que eu sentia, mas, como sempre, sofri uma crise de espirros antes do espetáculo terminar, fui ao banheiro e não o encontrei mais. Sequer sei o seu nome. Desde então, vivo no mundo da Lua, apaixonada e sonhadora.
— Só você mesmo, viu! Eu também tenho minha história. Ao final da apresentação, as pessoas sempre vão no parabenizar, conversar sobre a nossa atuação. Naquela noite eu recebi um rapaz encantador, trocamos telefone e hoje...
O telefone de Leila toca.
— Alô! Boa noite, Alef, tudo bem com você? Estou com uma amiga naquele café que viemos sexta passada. Quer vir aqui para conhecê-la? Ótimo! Estamos aguardando você. Beijo!
As duas retomam a conversa, mas já perderam o fio da meada, passando assim a falar sobre outros assuntos. Após alguns minutos, Jana pede licença e levanta, penetrando no espaço interno da cafeteria. Nesse momento, Alef aparece e senta-se ao lado de Leila, faz seu pedido e trocam carícias. Jana vem surgindo lentamente e percebe o acompanhante da amiga, ele está sentado de costas para ela, assim, não pode, de imediato, confirmar a sua fisionomia.
Ao aproximar-se da mesa, Jana fica imóvel, suspensa no ar. Leila, alegremente, fala para ele:
— Esta é Jana, Alef, uma amiga de longa data. Queria muito que vocês se conhecessem.
Alef olha para Jana e percebe que ela veste o casaco que ele lhe oferecera na noite em que também conhecera Leila. Ele havia procurado Jana pelo teatro antes de ir parabenizar Leila pela apresentação. E Leila agora era a sua namorada, não dava para fugir disso.
Jana o olhou cabisbaixa, e pelo seus olhos Alef sentiu que seu coração congelara. Já não era possível aquecê-la como fez na primeira vez que se viram.

FRANCO, Elis. In: Histórias de amor não correspondido. Org: Fernanda Mothé Pipas. Campos dos Goytacazes: Darda Editora, 2018. p. 15 -19

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