“E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.”
(Vinicius de Moraes)
Outro dia, estava eu deitada no sossego do meu quarto,
quando minha filha caçula, depois de eu ter enchido a paciência dela para
deixar um pouco de lado a televisão e o tablet,
apareceu com um inseto preto e branco, o qual chamou de “joaninha” (e eu não
falei nada porque achei que era uma joaninha mesmo, mas na verdade é mais
conhecido como “soldadinho”), perguntando-me empolgada se ela poderia cuidar
dele “pra sempre”. Era uma alegria tão contagiante, que me fez levantar para
observar aquele pequenino ser, tão delicado, pousado sobre uma folhinha verde
que ela trazia em uma das mãos.
Rapidamente, mais rápido do que eu poderia supor, afirmei
que ela poderia cuidar sim do pequeno bichinho. Eu só não esperava que ela
fosse pedir para colocá-lo em um vaso com tampa, a fim de que o precioso animalzinho
não fugisse de seu poder. Confesso que não pensei muito para responder e
disparei algumas informações, em um tom de voz meigo e cuidadoso, pois tudo que
eu não desejava era acabar com o brilho existente em seus olhos.
– Minha querida, você poderá ficar com ele, mas não deve
aprisioná-lo, porque se ele ficar sem oxigênio irá morrer.
– E o que eu faço, então? Falou com ar meio triste.
– Você deve cuidar dele, ficar com ele, até o dia em que
ele desejar. Uma hora ele precisará voar novamente e você terá de permitir. O
“pra sempre” acabará nesse momento.
Ao contrário do que eu esperava, a danada balançou a cabeça
em sinal afirmativo, partindo do quarto feito louca, talvez para aproveitar o
máximo de tempo que seria o sempre do soldadinho. Só aí eu percebi que, sem
querer, havia ensinado a ela a sua primeira lição sobre o amor. Uma lição que
pareceu a ela tão simples, tão fácil de ser executada, porém, para nós adultos,
é cheia de impasses e dificuldades de assimilação.
Quando aquele momento passou, eu nada mais soube sobre a
joaninha dela. Não me lembrei de perguntar, ou não quis, sei lá! Um dia,
provavelmente, eu terei de conversar sobre outras lições amorosas. Voltarei a
falar sobre o pequeno inseto da infância e mostrarei que, em uma tarde qualquer,
ela havia aprendido a primeira lição sobre o amor. Mas aí ela será jovem ou
adulta e, infelizmente, talvez não consiga mais ter a mesma reação que teve
quando criança.
15/03/15
FRANCO, Elis. Memórias afetivas. 2ª. ed. ampliada. Salvador: Cogito, 2022. p. 15-16
Texto lindo!!! Simples e, ao mesmo tempo, cheio de beleza e significado!
ResponderExcluirObrigada, querida!
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