terça-feira, 2 de setembro de 2025

Aquele velho retrato - Elis Franco




“Álbuns são memórias dilatadas
Às vezes curam, outras tantas, doem.”
“Elis Franco”
 

Sou da época que máquina fotográfica era artigo de luxo e, quando precisávamos de uma fotografia, em momentos celebrativos, deveríamos contratar um fotógrafo, nem sempre um profissional, mas alguém que possuía uma máquina de qualidade discutível. Era horrível não saber como saímos na foto e, ao recebermos os retratos, como até hoje chama minha mãe, estávamos lá com olhos fechados ou vermelhos, numa pose meio esquisita, e nada poderíamos fazer a não ser nos contentarmos com aquele registro horroroso.

Quando eu comecei a trabalhar, comprei uma máquina dessas e, a partir de então, pude ir registrando um pouco mais os momentos vividos: comprava o filme de vinte e quatro ou trinta e seis poses, pilhas, e corria o risco de vê-lo “queimar”. Tínhamos todo um cuidado para não desperdiçarmos o filme, não era fácil ceder uma pose para alguém. Assim que batíamos todas as fotos, corríamos até uma casa especializada em revelação e ficávamos torcendo para que tivéssemos saído bem na fita.

Depois, as máquinas digitais ficaram mais acessíveis e podíamos observar a imagem e descartá-la, caso ela não estivesse boa. Isso diminuiu um pouco a ansiedade que sentíamos. Em seguida, os aparelhos celulares democratizaram o direito à imagem, ficou fácil registrar as banalidades ou os raros momentos vividos; ficou fácil deletar a foto indesejada, modificá-la, distorcer a realidade ainda mais. Perdeu-se, na maioria das vezes, aquele rito de imprimir as fotografias e guardá-las em álbum. Nossas imagens, hoje, são dessacralizadas nas redes sociais.

Eu, talvez por ser uma pessoa “dinossáurica”, continuo revelando minhas fotos, assim como prefiro livos impressos e gosto de comprar cd’s. Tenho vários álbuns, com as fotos cronologicamente organizadas. Minhas fotografias contam um pouco da minha história. Todas as vezes que retiro meus álbuns do armário e olho minhas imagens, as imagens de meus parentes e amigos, é como se eu estivesse revendo a minha história; percebo, inclusive, que eu já vivi momentos maravilhosos, os quais superam os desafios vividos.

Ao rever cada foto, percebo que muitas pessoas ficaram para trás, amigos de infância que eu não sei que destino levaram. Eu sinto uma saudade gostosa.  Às vezes, dou de cara com alguém que já não vive mais, entristeço-me; outras, sorriu ao pensar no momento em que aquele registro foi feito. Nessa rememoração, há uma parte de minha vida que me escapa: os meus primeiros anos. Eu tenho raríssimas fotos de minha infância, e apenas a partir dos sete anos. É a minha lacuna existencial... Só posso preenchê-la a partir dos relatos que outros fazem de mim, ou da minha memória imaginativa que, certamente, me trai. E dói não saber como fui no início, ainda que não saiba, também, de que serviria saber.

13/08/17

FRANCO, Elis. Memórias afeticas. 2º ed. ampliada. Salvador: Cogito, 2022. p.19-20

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